martes, 20 de diciembre de 2011

Latim - expressões de Direito

A
Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Aberratio ictus erro de alvo Direito penal: quando o autor erra o alvo, de vítima. Quando atinge alguém, pensando ser outro.
Ab ovo desde o ovo Algo que se observa desde o início.
Abolitio criminis Crime abolido
Accessorium sequitur principale O acessório segue o principal Descrição usada no direito das coisas, onde por exemplo, quem compra um cavalo, leva as ferraduras. Quem compra um terreno leva o que está construído sobre ele.
Actio libera in causa A ação livre na sua causa Princípio adotado no Cód. Penal do Brasil, pelo qual se o agente alega que agiu induzido por motivos externos, não se exime da culpa quando causou tais motivos. Ex: o assassino que bebe para ter coragem de praticar o homicídio não pode alegar a embriaguez como atenuante. Marcelo Ferreira de Camargo
Actio nondum nata non praescribitur (direito de) Ação não iniciado, não prescreve Direito civil, direito processual civil - A prescrição só se inicia quando começa o direito de ação. Orlando Gomes, Instituições de Direito Civil, p. 483.
Actore non probante, reus absolvitur Se o autor não prova, o réu é absolvido Direito processual (civil e criminal)
Actori incumbit onus probandi Ao autor incumbe o ônus da prova Direito processual (menos o trabalhista)
A Deo rex, a rege lex O rei vem de Deus, a lei vem do rei
Ad hoc para isso, para esse fim De propósito; perito designado para executar certa tarefa. Dicionário Aurélio
Ad impossibilia nemo tenetur Ninguém é obrigado a fazer o impossível
Ad infinitum até o infinito
Ad perpetuam rei memoriam Para que a coisa (ou fato) se perpetue ao infinito
Ad probationem Para prova
Ad quem Para quem Para designar o Juiz ou Tribunal responsável pelo julgamento do recurso, para o qual se encaminha o processo, bem como o dia ou termo final da contagem de um prazo. (vide a quo)
Ad referendum para referendo Para uma aprovação posterior (leis, contratos)
*Ad substantiam
*Ad substantia negotii
*Para a substância
*para a essência do negócio
Indica condição essencial de algo.
Allegatio partis non facit jus Alegação da parte não produz direito Aquilo que a parte alega, por si, não indica que seja a verdade ou que produza um direito.
Amicus curiae Amigo da corte Instituto processual de origem estadunidense, em que terceiros são chamados a participar de uma ação com o fim de auxiliar a tomada de decisão pelo juiz ou corte. *No Brasil, é previsto no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. Prado Rodrigo Murad do.
Animus ânimo, vontade Indica a intenção.
apud (ap.) junto de em anexo, juntado, no complemento, apenso.
A quo Do qual Para se referir ao Juiz ou Tribunal que proferiu a decisão recorrida, e de onde provém o processo, bem como ao dia ou termo inicial do prazo.
*Audi alteram partem
*Audiatur et altera pars
*Ouça-se a parte contrária
*Ouça-se também a parte contrária
Direito processual; princípio do contraditório (oposto: inaudita altera pars)

  B


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Bella matribus detestata Guerras, ódio das mães Indica repulsa pela solução beligerante Zama, in: Libelo Republicano
Beneficium juris nemini est denegandi A ninguém deve ser negado o benefício do direito _ _
Bis in idem de novo outra vez Indica repetição desnecessária: princípio "non bis in idem" (q.v.) _
Bona est lex si quis ea legitime utatur Boa é a lei se dela faz uso legítimo _ _
Bona fide Boa-fé Condição exigida, por exemplo, para se validar contratos. _
Bona publica Bens públicos _ _
Boni mores Bons costumes _ _

  C


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Caput Cabeça "Cabeça" de um artigo ou enunciado: a parte primeira, antes de alíneas, parágrafos, itens. _
Casus fortuitus Caso fortuito Condição não prevista, e que ocorre alheia às vontades das partes. _
Causa mortis Causa da morte Expressão usada em atestado de óbito. _
Causa petendi Causa do pedido Direito Processual: o que leva o Autor a pedir algo em juízo. _
Causidicus Causídico o Advogado _
Cautio damnini infecti Caução por dano temido Direito de vizinhança: Garantia que dá o proprietário de prédio de que não irá ameaçar os direitos do vizinho. _
Cautio rei uxoriae Garantia aos bens da esposa Direito matrimonial antigo, visando preservar o dote uxório. _
Citra petita Aquém do pedido. _ _
Cogitationis poenam nemo patitur. Os pensamentos não implicam punição Direito Penal: a intenção ou idéia de praticar um delito não são puníveis. _
Condicio sine qua non condição sem a qual não Vários ramos do Direito: condição indispensável para a validade de algo. _
Consummatum est Está consumado Tanto para um ato jurídico, como para a vida ou qualquer ato que se encerra de modo peremptório. _
Contra jus Contra o direito Algo que se torna inválido, por contrariar a lei ou o direito. _
Contra legem Contra a lei Direito processual: diz-se quando uma sentença decide em sentido contrário ao que dispõe a lei. _
Corpus delicti Corpo de delito Diz-se de prova de crime obtida no próprio corpo da vítima. _
Cuique suum A cada um o seu _ _
Cum granu salis Com ponderação, com parcimônia _ _
Custas ex lege Custas conforme a lei Direito processual: determinação de pagamento de custas (despesas) de processo, feitas de acordo com o estabelecido pela lei. _
Custos legis Fiscal da Lei Diz-se da função do Ministério Público, quando este atua fiscalizando a aplicação da lei. _

  D


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Data venia Dada a licença Usada para introduzir uma objeção ao que foi dito por alguém. Permissão para discordar do ponto de vista de outrem. _
De cujus Do qual Aquele de cuja herança se fala. _
De facto Pelo feito Na prática. _
De jure Pela lei _ _
De minimis non curat praetor O pretor (juiz) não se preocupa com coisas insignificantes _ _
Dies a quo non computatur in termino Dia no qual não se computa no término _ _
Divortium aquarum Divisor de águas _ _
Do ut facias Dou para que faças Norma que admite-se em contrato bilateral, no qual uma das partes oferece dinheiro pela prestação de serviços da outra parte. _
Dormientibus non sucurrit jus O direito não socorre os que dormem Usado quando uma das partes perde o prazo e por conseguinte o direito. _
Dura lex sed lex A lei é dura, mas é lei A lei deve ser aplicada sempre, não importando se é dura (rigorosa). _

  E


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Emptio non tollit locatum A compra não leva ao cedimento de direitos _ _
Erga omnes Contra todos Quando uma decisão é erga omnes, significa que atingirá não só as partes, mas todos os indivíduos. _
Error communis facit ius O erro comum faz lei _ _
Error in judicando Erro ao julgar _ _
Error in procedendo Erro no procedimento _ _
Ex lege Advindo da lei _ _
Ex nunc A partir de agora Significa que os efeitos da sentença ou da lei não retroagem, sendo aplicáveis somente a partir da publicação da sentença. _
Ex tunc A partir de então Os efeitos da sentença ou da lei retroagem, sendo aplicados aos fatos acontecidos antes da publicação da sentença. _
Excusatio non petita, accusatio manifesta A desculpa não foi pedida, manifesta a acusação _ _
Ex vi Através de Utiliza-se para referir que uma determinada norma é aplicável, numa determinada situação concreta, por remissão de uma outra. _

  F


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Ficta confessio Confissão ficta _ _
Fructus sine usu esse non potest Fruto sem uso não se pode haver _ _
Fumus boni juris Fumaça do bom direito Usado para alegar indício de bom direito. _
Fumus comissi delicti Fumaça do delito cometido Usado para fundamentar o recebimento da denúncia e, dentre outros, também como requisito para a prisão preventiva. _ _

  G


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Genus numquam perit O gênero nunca perece _ _

  H


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Habeas corpus Tenhas teu corpo _ _
Habeas data Tenhas tua informação _ _

  I


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Ignorantia legis non excusat A ignorância da lei não escusa Não se pode alegar desconhecimento da lei como justificativa para sua infração _
Impossibilium nulla est obligatio Nula é a obrigação impossível É um princípio geral de Direito, segundo o qual é nula qualquer obrigação referente a coisa impossível, como a obrigação de viver sem respirar, por exemplo. _
In absentia Em ausência Usa-se como referência a processos em que o acusado não está presente na sala de julgamentos. _
Inaudita altera pars Sem ouvir a outra parte Quando se produz um ato jurídico sem consultar a outra parte _
Ibonam partem Boa para a parte _ _
In claris non fit interpretatio s leis claras por si mesmas se interpretam _ _
In dubio pro reo Na dúvida a favor do réu Quando o julgador estiver em dúvida, deve julgar favoravelmente ao réu, com base no princípio da presunção de inocência _
In illiquidis non fit mora _ _ _
Inadimplenti non est adimplendum _ _ _
Incidenter tantum Apenas entre as partes Quando o efeito não é para todos, mas somente entre as partes. Contrapõe-se a principaliter, definitivo _
In malam partem Ruim para a parte _ _
Inter pars Entre as partes _ _
Intuito personae Com relação à parte A obrigação personalíssima ou intuito personae é aquela que não pode ser substituída por outra de mesmo gênero, quantidade ou qualidade, tendo em vista a natureza pessoal da obrigação. _
In verbis Nestas palavras _ _
Inter vivos Entre pessoas vivas _ _
Ipso Facto Por causa disso, em decorrência de _ _
Iter criminis Caminho do crime O caminho que percorre o autor de um crime desde a cogitação, atos preparatórios até o atos de execução propriamente ditos _
Iudex iuxta alligata et probata iudicare debet _ _ _
Iura novit curia O juiz conhece o direito _ _
Ius primae noctis Direito da primeira noite _ _
Ius manendi, ambulandi, eundi, ultro citroque Direito de permanecer, de andar, de ir de um lado a outro Liberdade de locomoção, "direito de ir e vir" _

  J


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Juris et de jure De direito e por direito Presunção que não admite prova em contrário _
Juris tantum Apenas de direito Presunção que admite prova em contrário _

  L


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Lato sensu Em sentido amplo Quando quer se dar o sentido mais amplo de determinada expressão _
Lex est quod populus iubet atque constituit A lei é o que o povo manda e constitui A lei emana do povo _
Lex loci rei sitae A lei do lugar onde os bens estão situados Indica que a lei aplicável à transferência de bens depende e varia segundo a localização destes para os efeitos de conflito legislativo _
Lex populi Lei popular Lei formalmente aprovada pelo legislador _
Lex scripta Lei escrita Lei positivada _
Lex quanvis irrationabilis, dummodo sit clara A lei, ainda que irracional, sendo clara, tem que ser aplicada _ _
Longa manus Executor de ordens Normalmente utilizada em referência ao Oficial de Justiça - que é o executor das ordens judiciais, ou seja, "a mão estendida do juiz na rua" _
Lucrum cessans Lucros cessantes Lucro que se deveria obter de uma relação comercial que não se concretizou _

  M


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Mala fides superveniens non nocet A má fé que sobrevem não prejudica _ _
Mare clausum Mar fechado Mar ou massa de água navegável que esteja sob a jurisdição de um país, sendo vedada a outras nações _
Mare liberum Mar aberto. Oposto de mare clausum, isto é, mares e rotas marítimas devem ser explorados livremente _
More uxorio _ Convivência como marido e mulher _
Mortis causa Em razão de morte Sucessão de bens, direitos e obrigações que acontece devido ao falecimento de um indivíduo. Sucessão hereditária. _
Mutatis mutandis Mudando o que tem que ser mudado _ _
Mens in corpore tantum molen regit A mente rege o mecanismo do corpo _ _

  N


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Nec vi, nec clam, nec precario Nem com violência, nem às ocultas, nem de modo precário _ _
Neminem laedit qui suo iure utitur Ofende ninguém que a seu direito usa _ _
Nemini res sua servit De ninguém serve a própria coisa _ _
Nemo iudex in causa sua Ninguém pode ser juiz em causa própria _ _
Nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet Ninguém pode transmitir a outrem mais do que aquilo que tem _ _
Nemo potest ei dicere. Cur ita facis? Ninguém pode lhes dizer. Por que, então, faze-o? _ _
Nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere potest _ _ _
Nemo tenetur ad impossililia Ninguém é obrigado a fazer coisas impossíveis _ _
Nemo tenetur se detegere Ninguém é obrigado a se mostrar Princípio da vedação à auto-incriminação ou direito ao silêncio _
Nemo tenetur se ipsum accusare Ninguém é obrigado a acusar a si próprio _ _
Non bis in idem Não duas vezes pela mesma coisa Postulado jurídico, em virtude do qual ninguém pode responder, pela segunda vez, sobre o mesmo fato já julgado, ou ser duplamente punido pelo mesmo delito _
Non omne quod licet honestum est Nem tudo que vale é honesto _ _
Notitia criminis _ _ _
Novatio legis Nova lei _ _
Nullum crimen sine culpa Não (existe) crime sem culpa _ _
Novissima voluntas servatur A última vontade é a que tem valor _ _
Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali Não (existe) crime nem pena sem lei anterior Princípio da legalidade. Princípio da anterioridade da lei penal. _

  P


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Pacta sunt servanda _Os pactos devem ser respeitados _ _
Pacto reservati dominii _Pacto com reserva de domínio _Dir. Civil; Comercial _Caio Mário, Introd. Dir. Civil, v.III, pp153
Pactum disciplicentiae ou Pacto ad gustum _Pacto pelo agrado _O mesmo que "venda a contento" (Dir. Civil; Dir. Comercial) _Caio Mário, Introd. Dir. Civil, v.III, pp145
Pari passu _Ao passo de- simultaneamente _ _
Periculum in mora _Perigo da demora _Dir. Proc.: exige-se uma rápida decisão, cuja demora pode causar prejuízos. _
Pietas est fundamentum omnium virtutum _A piedade é o fundamento de todas as virtudes _ _

  Q


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Quando bene se gesserit Enquanto se comporta bem _ _
Quantum Quantidade elementar _ _
Quantum Debeatur O quanto se deve _ _
Qui iure suo utitur, neminem laedit Quem usa seu direito, não prejudica ninguém _ _
Quid latine dictum sit, altum sonatur Tudo que é dito em latim soa profundo _ _
Quod abundat non nocet O que abunda não prejudica
O que é demais não é nocivo
Ex: o excesso de provas é bom; José Pereira da Silva

  R


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Rebus sic stantibus (Deixar) as coisas como estão _ _
Reformatio in pejus Reforma em prejuízo Princípio norteador da atividade jurisdicional na qual veda a reforma de sentença em prejuízo do apelante _
Res judicata pro veritate accipitur A coisa julgada é tida como verdadeira _ _
Res nullius Coisa de ninguém _ _
Res derelictae Coisa abandonada _ _
Res perit domino A coisa perece do dono _ _

  S


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Salus populi suprema lex esto A saúde (o bem estar) do povo deve ser a suprema lei _ _
Semel heres, semper heres _ _ _
Si vera sunt Se existem verdades _ _
Stare decisis _ _ _
Stricto sensu Em sentido estrito Quando quer se dar o sentido mais restrito de determinada expressão _
Summum ius summa iniuria O direito aplicado com extremo rigor pode ser muito injusto _ _
Suum Cuique Tribuere Dar a cada um o que é seu _ _
Superficies solo cedit _ _
Supressio Supressão Instituto atinente a extinção de um direito _ _
Surrectio Surreição Instituto atinente ao surgimeto de um direito _

  T


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Tam dixit quam voluit Tanto disse como quis _ _
Tantundem eiusdem generis _ _ _
Tempus regit actum O tempo rege o ato As coisas jurídicas se regem pela lei da época em que ocorreram _
Tertium non datur O terceiro não se dá _ _

  U


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit Quando a lei quis determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio _ _
Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus Onde não existe justiça não pode haver direito A justiça é que sustenta as diversas formas de direito _
Ubi societas ibi ius Onde está a sociedade, aí está o direito Não existe sociedade, por mínima que seja, sem um conjunto de regras para disciplinar seu convívio _
Ultra posse nemo obligator Ninguém é obrigado a fazer mais do que o possível _ _
Unum castigabis, centum emendabis Um castigarás, cem corrigirás _ _
Uti possidetis De acordo com o que possuis (agora) Na condição em que te encontras _
Ut res magis valeat quam pereat Para que a coisa mais valha que pereça _ _

  V


Expressão
Tradução
Uso
Fonte
Vacatio legis Lei vacante - Vazio Legal Não existe lei aplicável _
Vade mecum Vai comigo _ _
v.g. (Verbi Gratia) Por exemplo _ _
Verba Volant Scripta Manent Palavras voam, escritos ficam _ _
Verbis Às palavras _ _
Volenti non fit iniuria Não se faz injúria àquele que consente Postulado ou axioma jurídico segundo o qual a vítima não se deve queixar em juízo de uma ofensa por ela consentida _
Vigilavit iustitiae oculus O olho da justiça vigiou _ Palavras voam, escritos ficam

Cícero - aspectos filosóficos do Direito

      O direito romano exerceu enorme influência na formação do direito privado contemporâneo. Se pensarmos no direito civil brasileiro, inúmeros institutos derivam, direta ou indiretamente, do direito civil romano. Adotamos, no vocabulário jurídico, palavras em latim clássico, e estruturamos o mundo jurídico de um modo bastante próximo do romano.

       Todavia, quando se pensa em filosofia do direito, talvez a herança mais remota não seja romana, e sim grega. Os gregos suscitaram problemas quanto ao fundamento e ao conceito de direito, situando-o de modo complementar com a natureza, dentro da Pólis, e buscando sua completude ética, estabelecendo a norma jurídica como sentido para a conduta humana, sobretudo entre os socráticos.

       Os romanos, em termos de pensamento jurídico, teriam legado à posteridade a teoria geral do direito, ou seja, reflexões de cunho mais prático, que trazem regras gerais de funcionamento do direito enquanto meio de resolução de conflitos e de pacificação social. Isso porque, já em Roma, o direito transforma-se em um sistema de normas eficaz na produção de decisões judiciais.

       Convém destacar que o fenômeno jurídico romano manifesta alguns aspectos peculiares, que representam novidades no mundo ocidental:



1.     Em Roma, surge uma profissão específica do direito, levando à formação de uma classe especializada em seu estudo e que rotineiramente trabalha com ele. Isso é uma novidade em relação ao mundo grego, pois jamais um cidadão admitiria uma existência especializada em qualquer assunto, voltada para uma profissão. O grego buscava a plenitude humana e o direito era apenas uma parte, não especializada, dessa plenitude.



2.     A existência de uma classe específica de juristas em Roma permite o desenvolvimento de uma considerável bibliografia científica sobre o direito, que inclui desde tratados até obras didáticas, correspondentes aos nossos “manuais” universitários.



3.     Uma relação paradoxal entre o direito positivo e o direito natural e a formação de três níveis simultâneos de direito.



3.1. Primeiramente é importante constatar que os romanos consideram o direito uma técnica para manter a ordem e fazer respeitar as regras sociais. Seu fundamento é permitir que o poder social seja exercido, levando a sociedade a seu devido curso. Para tanto, o direito recorre à lei. Mas, ao contrário do que ocorre hoje com o positivismo, o direito não é extraído da lei, mas a lei é construída para concretizar o direito.



3.2. Nesse sentido, convém destacar que o romano concebe o direito, do qual extrai a lei, em três níveis: direito civil, direito das gentes e direito natural. O primeiro nível leva às leis aplicáveis aos cidadãos romanos; o segundo, às leis aplicáveis aos membros do Império Romano que não gozam do status de cidadãos; o terceiro, às regras aplicáveis à universalidade do gênero humano.     Todavia, na prática, apenas os dois primeiros níveis criam direitos; o direito natural funciona apenas como um mecanismo retórico e não impede, em momento algum, a escravização do estrangeiro, que habita fora dos limites do Império e não goza da proteção do direito das gentes.

       A tendência romana é de expansão da cidadania e de diminuição do direito das gentes, mas em momento algum o direito natural torna-se forte o suficiente para abolir a escravidão e impedir a conquista de povos estrangeiros.

       Ainda que tenhamos afirmado que a grande contribuição romana foi na teoria geral do direito e não na filosofia, isso não significa que não tenha havido uma filosofia romana. Um pensador que merece ser destacado é Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), cuja vida corresponde à transição do período helênico para o período romano da história da filosofia e marca o fim da cultura romana republicana, que se transformará em cesarista.

       Trata-se de uma pessoa qualificada de vaidosa, irônica, ferina, mas de uma retidão de caráter exemplar, feroz defensor da República e, talvez por isso, repleto de inimigos. Ocupou diversos cargos políticos, sempre de modo louvável, tratando o bem público com respeito e buscando concretizar seus ideais.

        Enquanto pensador, Cícero pode ser visto como eclético, pois concilia tendências e ideias diversas em seus pensamentos. Suas obras filosóficas adotam a forma platônica dos diálogos e seus pensamentos políticos congregam influências múltiplas.

       Em sua obra Sobre a República, o filósofo traz os fundamentos da vida civil, apresentando a ideia de que a Res publica (coisa pública, ou simplesmente “república”) pertence ao povo, sendo res populis (coisa do povo). Isso inaugura a perspectiva de soberania popular.

      Além disso, Cícero diferencia o povo de um aglomerado qualquer de pessoas. Para que um conjunto de homens seja um povo, haveria a necessidade de se associarem por dois consensos: o direito e o bem comum.  Assim, quando um grupo define quais serão suas regras fundamentais e quais valores correspondem ao bem comum, transforma-se em um povo.

       Definidos os dois consensos acima, o povo cria um órgão deliberativo, que é o Estado, ao qual atribui o poder de zelar pelos consensos fundamentais. Enquanto o povo estiver de acordo quanto a suas regras jurídicas e ao seu bem comum, o Estado continuará a existir e a ser respeitado.



      Cícero avalia o Estado a partir de uma perspectiva interessante: a liberdade de quem governa. Quanto mais livre for o governante, melhor será o Estado. Como o verdadeiro detentor do poder político é o povo, ele deve ser o grande soberano, pois somente o povo pode governar livremente.

       A falta de liberdade seria causa de insatisfação em qualquer instância. Se faltar liberdade ao povo, haverá o risco de ele se rebelar, deflagrando uma guerra civil e ameaçando a sociedade. O bom governo deve ser exercido livremente e respeitar a liberdade dos governados.

       Para cumprir tal objetivo, Cícero desenvolve um governo misto, que aproveita pontos positivos dos diferentes governos: da realeza, deve-se aproveitar a unidade do poder, havendo a necessidade de uma figura que personifique o Estado, mas sem a sua perpetuidade no poder nem o caráter hereditário do mesmo; da aristocracia deve-se aproveitar o princípio deliberativo, que permite a discussão entre diversas instâncias da sociedade, ouvindo-se a todas; do governo popular deve-se aproveitar a liberdade de todos, sempre mantida e respeitada durante o governo.

       A proposta resulta num modelo bastante próximo dos atuais. Podemos ilustrar com o presidencialismo, no qual existe a figura do soberano no chefe do Poder Executivo, há um Parlamento deliberativo e o respeito à soberania popular, convertida em representação.

        Mas, para que o sistema funcione, há a necessidade de o Estado submeter-se às leis que limitam seus atos e preservam a liberdade do povo. Em Sobre as leis, Cícero afirma que a lei é fonte de virtude para os cidadãos e mecanismo que consolida as forças do Estado.

        Ela é vista, ao mesmo tempo, como instrumento valorativo que define o justo e o injusto, por um lado, e ato de poder, que manda e proíbe, por outro. Sua autoridade colocar-se-ia, de modo inovador, acima do direito, num modelo novamente parecido com o nosso, obrigando o juiz a julgar conforme seus preceitos.

        Sua força decorre de ela derivar do direito natural, sendo expressão racional da vontade dos deuses e, por isso, colocando-se num patamar acima dos homens. Mas quem seria capaz de fazer leis que correspondam à vontade dos deuses? Numa resposta platônica, Cícero afirma que os sábios são capazes de identificar a vontade divina, pois essa vontade se manifesta pela razão.

        O sábio torna-se uma pessoa ética e identifica, graças à razão, os preceitos que devem constar nas leis. Quanto à ética, ela decorre do comportamento virtuoso e leva à felicidade. A novidade de Cícero está na definição da grande virtude a ser buscada: honestidade.



        A honestidade consiste na soma de quatro fatores:



1. Conhecimento: somente as pessoas que buscam a verdade, que desejam conhecer, são capazes de refletir sobre seus atos e encontrar o comportamento adequado, manifestando senso de justiça, força de caráter e moderando as paixões.

2. Senso de justiça: quando o agente usa sua razão para avaliar seu ato, irá proceder de tal modo a não causar dano a outrem (dever de justiça) e nunca tomará os bens públicos como particulares, usando coisas públicas em comum e apenas suas coisas próprias em particular (beneficência).

3. Força de caráter: o agente também demonstrará que possui caráter, agindo sempre com boa-fé, respeitando as demais pessoas com quem se relaciona, e também agirá respeitando a natureza, aos deuses e à humanidade em geral.

4. Moderação das paixões: o grande inimigo do conhecimento é a paixão, que afasta o homem da razão e impede de agir com senso de justiça e força de caráter, corrompendo-o. A filosofia surge como um medicamento que cura o homem das paixões e o restitui à razão, permitindo a conduta honesta.

       Para Cícero, portanto, o ser humano deve agir eticamente. Para tanto, deve ser honesto. Isso exige usar seu conhecimento para controlar as paixões e demonstrar senso de justiça e força de caráter, não prejudicando os demais, respeitando o bem público e demonstrando boa-fé.

       O sábio age com honestidade, pois possui capacidade para tanto. Deve, assim, criar as leis para auxiliar o Estado e a população em geral a também serem honestos, levando a sociedade ao bem comum.

       Destacamos a atualidade das reflexões de Cícero, especialmente quanto ao aspecto ético da conduta e à liberdade. Trata-se de uma questão ainda mal resolvida, sobretudo em um país periférico como o nosso, a distinção entre o público e o privado e a incapacidade de as pessoas agirem com honestidade.     Também não conseguimos construir uma sociedade livre, pois condenamos a maioria da população ao aprisionamento do trabalho assalariado, formal ou informal, disseminando a insatisfação e a frustração social.



Referências:

BILLIER, Jean-Cassier e MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri: Manole, 2005, cap. 2 (itens 5, 6) e cap. 3 – pp. 98-110.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia – vol. 2, As Escolas Helenísticas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 221-251.

LEX SACRATA


( 494 BC )


Livius, II ( Nisard, Paris, 1864 ).

32. (1) Agi deinde de concordia coeptum concessumque in condiciones, ut plebi sui magistratus essent sacrosancti, quibus auxilii latio aduersus consules esset, neue cui patrum capere eum magistratum liceret. (2) Ita tribuni plebei creati duo, C. Licinius et L. Albinus. Hi tres collegas sibi creauerunt ; in his Sicinium fuisse constat, seditionis auctorem ; de duobus, qui fuerint, minus conuenit. (3) Sunt, qui duos tantum in Sacro monte creatos tribunos esse dicant ibique sacratam legem latam. ...
. . . . . . . . . . . . . . . . .
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54. (9) ... tandem, qui obuersati uestibulo tribuni fuerant, nuntiant domi mortuum esse inuentum. Quod ubi in totam contionem pertulit rumor, sicut acies funditur duce occiso, ita dilapsi passim alii alio. Praecipuus pauor tribunos inuaserat, quam nihil auxilii sacratae leges haberent, morte collegae monitos.


Cicero, de rep., II, 33 ( Nisard, Paris, 1841 ).

58. nam cum esset ex aere alieno commota ciuitas, plebs montem sacrum prius, deinde Auentinum occupauit. ac ne Lycurgi quidem disciplina genuit illos in hominibus Graecis frenos ; nam etiam Spartae regnante Theopompo sunt item quinque illi quos ephoros appellant, in Creta autem decem, qui cosmoe uocantur, ut contra consulare imperium tribuni plebis, sic illi contra uim regiam constituti.


Cicero, Sest. ( Cabaret-Dupaty, Paris, 1919 ).

7. (16) hanc taetram immanemque beluam, uinctam auspiciis, adligatam more maiorum, constrictam legum sacratarum catenis ...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
37. (79) Atqui ne ex eo quidem tempore id egit Sestius ut a suis munitus tuto in foro magistratum gereret, rem publicam administraret. itaque fretus sanctitate tribunatus, cum se non modo contra uim et ferrum sed etiam contra uerba atque interfationem legibus sacratis esse armatum putaret ...


Cicero, de prov. cons., 19, 46 ( Cabaret-Dupaty, Paris, 1919 ).

Quare aut uobis statuendum est legem Aeliam manere, legem Fufiam non abrogatam, non omnibus fastis legem ferri licere, cum lex feratur, de caelo seruari, obnuntiari, intercedi, licere, censorium iudicium ac notionem et illud morum seuerissimum magisterium non esse nefariis legibus de ciuitate sublatum, si patricius tribunus plebis fuerit, contra leges sacratas ...


Cicero, de off., III, 31 ( Testard, Paris, 2002 ).

111. ... Nullum enim vinculum ad astringendam fidem iure iurando maiores artius esse voluerunt. Id indicant leges in duodecim tabulis, indicant sacratae ...


Cicero, Dom., 17 ( Nisard, Paris, 1840 ).

Vetant leges sacratae, uetant xii tabulae leges priuatis hominibus inrogari ; id est enim priuilegium.


Festus, F 318 ( Bruns, Tübingen, 1909 ).

Sacratae leges sunt, quibus sanctum est, qui<<c>>quid adversus eas fecerit, sacer alicui deorum sit cum familia pecuniaque. Sunt qui esse dicant sacratas, quas plebes iurata in monte sacro sciverit.


Gellius, XVII, 21 ( Julien, Paris, 2002 ).

11. Romae autem istis ferme temporibus tribunos et aediles tum primum per seditionem sibi plebes creavit ...


Digesta, I, 2 ( Mommsen & Krueger, Berlin, 1954 ).

2. (20) Isdem temporibus cum plebs a patribus secessisset anno fere septimo decimo post reges exactos, tribunos sibi in monte sacro creavit, qui essent plebeii magistratus. Dicti tribuni, quod olim in tres partes populus divisus erat et ex singulis singuli creabantur : vel quia tribuum suffragio creabantur.

Bibliography

Albanese, BIDR, 1988, pp. 145 ss. ; Altheim, Die Anfänge der plebeischen Organisation, Amsterdam, 1940 ; Bayet, Tite-Live. Histoire romaine, III, Paris, 1962, pp. 145 ss. ; Fiori, Homo Sacer : dinamica politico-costituzionale di una sanzione giurido-religiosa, Napoli, 1996, pp. 293 ss. ; Herzog, Fleckeisen's N. Jahrbücher für Philol. und Pädag., 113, 1876, p. 147 ; Herzog, Ueber die Glaubwürdigkeit der aus der röm. Republik bis zum Jahre 387 d. St. überlieferten Gesetze, Tübingen, 1881, pp. 17-18 ; Ihne, RhMus, 1866, p. 166 ; Lange, Römische Alterthümer, I, Berlin, 1876, p. 589 / II, pp. 565, 613, 651 ; Marottoli, Leges sacratae, Roma 1979 ; Meyer, Hermes, 30, 1895, pp. 1 ss. ; Mommsen, Le droit public Romain, III, Paris, 1893, p. 331, n. 1 and 348 ; Niccolini, Il tribunato della plebe, Milano, 1932, pp. 40 ss. ; Orestano, I fatti di normazione nell’esperienza romana arcaica, Torino, 1967, pp. 262 ss. ; Rotondi, Leges publicae populi romani, Milano, 1912, pp. 192-193 ; Stella Maranca, Il tribunato. della plebe dalla lex Hortensia alla lex Cornelia, Lanciano 1901, pp. 24 ss.