viernes, 1 de abril de 2011

História da Espiritualidade Monástica Cristã Primitiva - Segundo os Escritos Monásticos de Agostinho de Hipona


História da Espiritualidade Monástica Cristã Primitiva

Segundo os Escritos Monásticos de Agostinho de Hipona
        
1-      A Regula ad servos Dei ou Praeceptum

Durante muito tempo se questionou qual seria, de fato, a regra escrita por Agostinho,
dado que possuímos três textos: o Ordo monasterii, o Praeceptum ou Regula ad servos Dei e a Epístola 211.
A pesquisa e a crítica acurada feitas por L. Verheijen estabeleceram que o texto autêntico agostiniano é a Regula ad servos Dei. Mais tarde uma outra mão adaptou o texto para um mosteiro feminino e acrescentou-o como apêndice à Epístola 211.
            A Regra foi redigida em 391, pouco após a ordenação sacerdotal de Agostinho. Foi redigida para o mosteiro de leigos que ele tinha fundado em Hipona. Outros preferem datá-la um pouco mais tarde, por volta de 400. Eleito bispo coadjutor em 396 e titular de Hipona em 397, Agostinho teve que se afastar no mosteiro de leigos, mas não abandonou a vida em comum. Reuniu em sua casa episcopal presbíteros e diáconos que aceitavam seu estilo de vida e permaneceu fiel ao ideal cenobítico até a morte.
            A Regra era destinada ao mosteiro de leigos, onde Agostinho fora superior. Essa mesma Regra teria sido aplicada ao segundo mosteiro que ele fundou em Hipona, para clérigos.
            A primeira vista a Regra de Agostinho parece ser inteiramente prática, e, de fato, é. Encontramos nela os costumes próprios da vida romana contemporânea combinados com o lazer da vida filosófica, tal qual foi vivida por Agostinho em Cassicíaco. Acrescente-se ainda um rigoroso ascetismo, mas flexível e adaptado às capacidades de cada um. Se penetramos um pouco mais a fundo, porém, encontramos nessa Regra uma espiritualidade, descrita com poucas palavras, que deveriam ser completadas com outras obras de Agostinho sobre a vida monástica.
            A Regra apresenta uma estrutura bastante simples: 1º) Um prefácio, extremamente breve; 2º) Os preceitos divididos em sete capítulos; 3º) Uma de breve oração final, em forma de benção, que dá o sentido a todas as prescrições e proibições dos capítulos anteriores;
4º) Um posfácio, onde se recomenda a leitura semanal da Regra (semel in septimana), para que seja conhecida e comemorada por todos. Se deixarmos de lado o prefácio e o posfácio, a Regra se reduz a alguns preceitos (praecepta vivendi) que devem ser observados com o amor da beleza espiritual (espiritalis pulchritudinis).
            A teologia da vida monástica encontra-se sobretudo no inicio e no final da Regra. Os dois primeiros versículos do capítulo primeiro e o penúltimo verso do último formam uma espécie de parênteses e estabelecem as bases da vida monástica: os irmãos devem viver voltados para Deus (I,1: in Deum) e devem observar todos estes preceitos com amor, como amantes da beleza espiritual (VIII, 1: cum dilectione, tamquam spiritalis pulchritudinis amatores). Há uma insistência na contemplação. Para Agostinho, a observância da Regra está voltada para a contemplação: o amor da beleza de Deus.
            Qual beleza espiritual? A beleza da sabedoria, a beleza de Deus. Desde a idade de dezenove anos, Agostinho tinha se apaixonado pela beleza. O amor à sabedoria tornou-se espontaneamente para ele amor à beleza. Em 388, Agostinho escreve em Roma o livro De quantitate animae, que é traduzido com o título Sobre a Potencialidade da Alma. De fato, o autor adota o termo latino quantitas em sentido qualitativo, de potencialidade e nunca no sentido quantitativo, de grandeza material ou dimensional. O comentarista da Regra, L.Verheijen encontra neste texto de juventude uma semelhança com a estrutura fundamental da Regra. Agostinho descreve os sete graus da alma humana. Os três primeiros se referem à vida vegetativa, sensitiva e intelectual (artística e artesanal). Os elementos essências começam com o quarto grau, que se refere à vida moral.
            A vida moral implica a obediência aos praecepta vivendi e se abre para uma via mais alta. O cumprimento dos preceitos dá à alma uma harmonia em relação à si mesma, e, uma vez que a vida moral está bem enraizada, a alma faz um mergulho tranqüilo em si mesma.
            A contemplação, que é o nível mais elevado dos sete graus, começa já no sexto, mediante a entrada para junto de Deus. No sétimo grau, ela se expande numa permanência continua junto dEle.
Em seguida, Agostinho caracteriza esses graus com duas séries de textos.
            Há uma relação entre essa estrutura e a da Regra. Agostinho repete este quádruplo esquema servindo-se de termos que se referem ao Belo. De outro modo, pode-se dizer que a observância dos praecepta vivendi permite à alma existir de modo belo em harmonia a qualquer coisa de belo que ela é em si mesma. Busca em seguida mergulhar nessa beleza. Isso a leva a uma abertura em relação a Beleza, que, finalmente, se desabrocha numa permanência estupenda junto da Beleza, que é o próprio Deus.
            Há, portanto, uma semelhança palpável entre a estrutura essencial da Regra (caminhada, mediante a observância dos praecepta vivendi em direção à spiritalis pulchritudo) e a estrutura da escalada espiritual, tal qual é descrita no De quantitate animae.
            Verheijen conclui deste modo apesar das aparências o ponto mais alto da Regra de Sto Agostinho não se encontra logo no começo do texto, mas no final, na prece que constitui sua segunda parte. Digo: apesar das aparências. O início da seção dos preceitos da Regra poderia levar a crer, de fato, que o essencial já é dito desde a primeira linha, onde se lê: Primum propter quod in unum estis congregati, ut unianimes habitetis in domo et sit vobis anima una et cor unum in Deum. Trata-se aqui de um cume, evidentemente, mas unicamente do cume da primeira parte, a parte preceptiva. Não, o fecho da abóbada da Regra encontra-se realmente na prece final. Se a anima una e o cor unum são orientados in Deum. Isso quer dizer que tendem in spiritalem pulchritudinem, em direção à Beleza divina que se refere na beleza da anima e do cor pacificados ad extra e ad extra. A Regra de Sto Agostinho tem uma dimensão contemplativa muito mais acentuada do que se poderia crer... Sublinhemos que isso não diminui o caráter comunitário (finalidade eclesial) dada concepção monástica de Agostinho. Ao contrário, o caráter comunitário é situado no seu justo nível. O espírito comunitário deve ultrapassar um nível por demais utilitário, ou até banal, a fim de chegar a uma oportunidade onde o encontro com a Beleza espiritual torna-se possível. Mas, de outro lado, a Beleza divina não poderia refletir-se numa alma e num coração que não estivessem em harmonia com as outras almas e os outros corações, formando com eles “uma só alma e um só coração voltados para Deus”.
            No Sermão aos catecúmenos sobre o Credo (De Symbolo, germo ad catechumenos), Agostinho mostra que a comunhão dos fiéis num só coração e numa só alma, pela fé, leva à contemplação da beleza da unidade que há entre Pai e o Filho.
            A vida monástica não teria sentido se não fosse capaz de fazer a alma voltar-se para Deus. Ele sublinha isso logo no início de suas Confissões.
Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti. (Conf.I:1,1)
                A vida monástica deve oferecer as condições necessárias para o pleno desabrochar do desejo de repousar em Deus, que toda pessoa traz consigo.

2. Capítulo I: o fundamento da vida monástica

Aqui novamente o segundo versículo e o último do capitulo (v.8) formam uma espécie de inclusão sublinhando uma característica própria da Regra: a “congregação” dos irmãos constitui um único templo de Deus, por isso deve ter  “uma só mente” na “casa” onde moram (unânimes habitetis in domo), símbolo do templo espiritual que eles mesmos constituem para Deus.
Eles vivem numa casa. A casa é o mosteiro, o lugar da “congregação” dos irmãos, uma imagem da grande Igreja, onde os cristãos constituem o único Corpo de Cristo. Esta união física deve tornar-se uma unidade espiritual: uma só alma e um só coração voltados para Deus (anima una e cor unum in Deum). Cada um de nós é também uma casa, como mostra o final do parágrafo: Deus do qual vos tornastes templos (Deum cuius templa facti estis). Isso implica que cada um de nós deve tornar-se um só com os demais, uma só pessoa na casa, transformada em Cristo.
Na carta 243, 1.4,  enviada ao noviço Leto, que por motivos familiares, sobretudo pelas lágrimas de sua mãe, abandonara o mosteiro, voltara à casa paterna e permanecia indeciso quanto ao caminho a seguir, Agostinho o exorta sobre  a natureza do verdadeiro amor cristão aos pais e sobre  a decisão radical exigida pelo ideal monástico: a vida em comum deve penetrar em nós profundamente[i].
Tal é o inicio e também o fim da apresentação da vida monástica. Tudo o mais repousa na condição essencial para  a vida comunitária: a comunhão de bens. Note-se a referência aos Atos como apoio dado pelos primeiros cristãos para esta necessidade. Nós a encontramos também em outro texto.
A pedido do diácono Deogratias de Cartago, por volta do ano 400, ou um pouco depois, Agostinho escreve uma obra catequética sobre o ensino da fé aos  que ainda não foram instruídos nela ou sobre o modo de expor a fé aos catecúmenos: De catechizandis rudibus (Instrução aos catecúmenos). A comunhão de bens é sugerida pelo amor a Cristo[ii].
            Para manifestar esta unidade, Agostinho apresenta logo de início duas formas de renúncia: de posse, pobreza (3-5) e renúncia de si, humildade (6-7). Havia consideráveis diferenças entre os ricos e os pobres na sociedade daquele tempo. Agostinho insiste na pobreza. Há uma passagem em que ele se detém longamente nas diferenças sociais que podem ferir a união da comunidade.
A conclusão do capítulo (v.8), que forma uma inclusão com o v. 2, mostra que a comunhão de bens e a humildade constituem o cimento com o qual se liga uma pedra viva à outra para construir tanto a comunidade como em cada um dos seus membros um templo para o senhor. Todas essas idéias foram retomadas numa passagem do comentário ao Salmo 131, 5.

Capítulo II: sobre a oração

Agostinho passa a falar imediatamente da oração. Isso indica a importância que dá ao tema. Também a oração forma a comunidade. Não se trata aqui de um tratado sobre a oração, mas uma advertência contra os abusos. A perícope, porém, é bastante densa: perseverança na oração; o lugar da oração; o oratório. Agostinho é talvez o criador, no Ocidente, do oratório conventual do qual fala São Bento nos capítulos 52 e 19 da Regra beneditina. Como São Bento, também ele deseja que as palavras e o coração estejam em consonância.
O tema da oração é tratado também na Epístula 130 à Proba (início de 412?). Faltônia Proba era uma nobre senhora pertencente à gens Anícia, da Roma imperial. Tinha sido esposa de Probus, o eterno prefeito da cidade e cônsul no ano 371. Em 410, dá-se o saque de Roma, sob o comando de Alarico, chefe dos vândalos. Proba, viúva, com sua nora Juliana e sua neta, fogem para Cartago, na África. A nobre matrona pede a Agostinho que lhe explique a palavra do Apóstolo: Não sabemos orar como convém (Rm 8,26). No capítulo 4, Agostinho responde diretamente à pergunta ensinando o que se deve pedir na oração[iii].
Em seguida, Agostinho adverte que não é necessário apresentar a Deus grande quantidade de palavras, pois sabe do que necessitamos. Ele quer que purifiquemos nosso desejo de vida bem-aventurada. De fato, é imensamente grande o dom que Deus quer nos dar. O nosso coração é ainda pequeno e acanhado[iv].
Agostinho convida a usar da oração vocal, em horas determinadas para que não se arrefeça em nós o desejo da vida bem-aventurada. Ele, adverte ainda para desconfiar das longas preces que cansam a atenção. Devemos imitar os monges do Egito que rezam por meio de invocações curtas e repetidas.
Capítulo III: Sobre a alimentação

Os maniqueus detestavam o corpo. Agostinho, maniqueu convertido, não queria desprezar o corpo que foi criado por Deus e servo da alma. Agostinho sabia, por experiência que, como resultado do pecado, as paixões se tornaram uma armadilha para o homem. Elas se colocam em oposição à razão e facilmente a submetem. A preocupação do cristão deve ser, portanto, não se deixar desviar pelas paixões, mas domina-las pela mortificação do corpo.  A mortificação tem uma finalidade positiva. Jejum e mortificação são expressões da aspiração humana de voltar-se para Deus. Pois “Quando alguém põe de lado os prazeres da carne, recebe em troca as alegrias do espírito”, costumava dizer Agostinho.
Essa renúncia visa um objetivo importante, a união dos corações. O apego às coisas humana não permitiria aos irmãos ter a alma inteiramente voltada para Deus, nem alegrar-se juntos na posse das bem-aventuranças eternas. Na prática, Agostinho prescreve que o jejum deve estar de acordo com  a saúde de cada um (3). Assim o modo de jejuar deve ser aplicado a cada um individualmente, ainda que se mantenha o princípio da  necessidade de jejuar, mesmo para os mais fracos. Encontra-se especificado neste argumento os efeitos da desigualdade social observada em I, 5-7. No parágrafo quarto, encontra-se a mesma medida tomada em relação aos doentes.
Sair fora do mosteiro (4-7). A ascese deve ser praticada também naquilo que se olha, particularmente quando o olhar se desvia para observar uma mulher. Agostinho insiste na necessidade da castidade, porque ela também contribui para a união dos corações. A castidade decorre do amor que se tem para com Deus. O amor é casto.
Depois de ter chamado a atenção para o perigo das tentações, o final do capítulo trata da correção fraterna, um elemento importante para a vida em comum. Aqui Agostinho segue  o monaquismo oriental. A caridade deve manifestar-se pela preocupação sincera com o bem espiritual da comunidade. O monge tem o dever de exercer a correção fraterna. Silenciar pode significar cumplicidade. Para São Bento, patrono do monaquismo ocidental, o dever da correção é reservado ao abade.

Capítulo IV: Serviço da Comunidade

Este capítulo trata também dos vários elementos que pertencem ao bem comum, mas com mais pormenores. Seguro Agostinho a posse comum dos bens é uma condição indispensável para o ideal monástico. Na prática isso significa: não dar presentes, nem receber os que foram dados a titulo pessoal. Tudo deve ser comum: roupas, livros, lavanderia e dispensa. É necessário evitar choques entre os irmãos.
O capitulo mostra que a preocupação com o bem comum é a medida certa do progresso espiritual.
A Regra menciona o trabalho sem entrar em pormenores. Em outras obras de Agostinho podemos encontrar as seguintes idéias.
 * O trabalho é um valor em si mesmo.
 * Trabalhar é colaborar com a criação. É disso que deriva a dignidade do trabalho. Esse é um modo de pensar contrário ao do mundo antigo, onde o trabalho era considerado próprio para escravos.
* É um modo de fazer penitência, através da qual o homem é restaurado, resgatado do orgulho e aprende a humildade. É um meio de santificação.
* Além disso, o trabalho nos permite glorificar a Deus em todas as nossas atividades.
Todos os que pertencem ao mosteiro devem trabalhar, mesmo os ricos. O trabalho, porém, deve ser adaptado à capacidade de cada um. No nº 9 Agostinho adverte contra o mal da murmuração.


Capítulo V: Relacionamento fraterno e perdão

O ideal seria que nunca existisse discussões entre os membros da comunidade. Mas, como isso não aconteceu, é necessário pôr  um fim nelas o mais depressa possível. A confissão das faltas, o apoio mútuo e o perdão são elementos que devem ocorrer diariamente no exercício do amor fraterno. Há uma observação no nº 3 que expressa bem a mentalidade da época, mais que o espírito do Evangelho.

Capítulo VI: A obediência

Agostinho não menciona a obediência até o final de sua Regra, e somente num único parágrafo, enquanto que os três outros do mesmo capítulo se referem ao superior. Isso se liga à sua concepção da vida monástica. A base da vida monástica não é a obediência como sustentavam Pacômio ou Basílio, mas o amor como forma de vida de comunhão com os irmãos. Assim a obediência torna-se uma das realidades da vida em comum, um apoio mútuo. De modo conciso Agostinho adverte: “Obedecei ao superior como a um pai”. A comunidade deve ter um pai, uma cabeça e obedecê-lo como se faz nas famílias. A obediência é importante, mas secundária. A vida em comum é a marca essencial do monaquismo agostiniano.
O retrato do superior é conciso, mas belo (3). No nº 4 os Irmãos devem obedecer de boa vontade, de tal forma que não sobrecarreguem o superior, cuja responsabilidade já é bastante pesada. É a compaixão que inspira a obediência, compaixão pelo prepósito, mas também compaixão para consigo mesmo.

Capítulo VII: Oração conclusiva

A Regra termina com uma bela passagem que retoma o aspecto de sua teologia da vida monástica segundo o qual os monges são chamados os “amantes da beleza”.
A Regra de Agostinho não contém tudo. Foi escrita num contexto  particular, como um guia. Para Agostinho, como  para Basílio, a regra do cristão é o próprio Evangelho. Para um, como para outro, o essencial é a caridade. Toda a regra tem por fim libertar-nos dos nossos interesses egoístas, de tal forma que sejamos capazes de nos doar inteiramente a Deus e aos irmãos. Encontramos em Agostinho, o doutor da caridade, o que já tínhamos encontrado em Evágrio, Cassiano e Basílio: é a caridade que dá sentido à vida do monge.

II- Outros Escritos Monásticos

1) O Ordo monasterii (Regulamento do Mosteiro). É um documento bastante antigo que os especialistas batizaram com o nome de ordo ou disciplina do mosteiro. Trata-se de uma regra a recitação do Ofício Divino, o horário para a lectio divina e o trabalho e outros preceitos que se referem à vida em comum: a correção fraterna. A vida em comunidade é
    definida como vida apostólica.

O ordo começa com uma frase célebre.

            Acima de tudo, irmãos caríssimos, amemos a Deus; em seguida, também os irmãos, porque estes são os preceitos que nos foram dados em primeiro lugar.
Termina exprimindo a esperança  que os preceitos anunciados pelo legislador sejam observados fielmente.
Observando fiel e piamente estas coisas em nome de Cristo, tanto vós progredireis, como nós teremos não pequena alegria por vossa salvação.
A tradição manuscrita normalmente acrescenta este curto documento à Regra agostiniana. Na verdade, o ordo constitui o complemento necessário da Regra, pois esta supõe um regulamento monástico que ela mesma não contém. Basta lembrar as prescrições referentes ao horário da oração: Aplicai-vos à oração nas horas e tempos estabelecidos (II, 1).
O Ordo monasterii teria sido escrito por Agostinho? A posição mais aceita pelos estudiosos é que Agostinho não escreveu esse documento. Após sua ordenação sacerdotal, em Hipona, sua propriedade em Tagaste se tornou um mosteiro sob a direção de seu amigo Alípio. Desse monasterium nasceu uma verdadeira regra monástica o Ordo monasterii, o Regulamento do mosteiro, redigido talvez pelo próprio Alípio, por volta de 395. Segundo as pesquisas mais recentes, Agostinho teria aprovado esse texto e escrito tanto a introdução, quanto a conclusão.
2) De moribus Ecclesiae catholicae. No ano de 388, Agostinho encontra-se em Roma. O comportamento pretencioso de seus antigos correligionários maniqueus o impulsiona a escrever dois livros  De moribus Ecclesiae catholicae e De moribus Manichaeorum. No primeiro ele exalta a Igreja e no segundo reduz a nada as pretenções dos maniqueus. No outono do mesmo ano Agostinho encontra-se já em África e termina ali a redação desses livros.
O elogio que faz da Igreja culmina num amplo painel da vida monástica do Oriente e do Ocidente. Dos dois erros maiores do maniqueísmo-rejeição do AT e prática ilusória do ascetismo-Agostinho escolhe combater sobretudo o segundo no seu De moribus Eccl. de uma longa exposição sobre a moral neotestamentária, o autor se endereça com ternura e lirismo à Igreja, verdadeira mãe (mater Christianorum verissima) do amor a Deus e ao próximo. Esse parágrafo termina celebrando a vida solitária que alguns cristãos escolheram.
Com esse parágrafo Agostinho termina sua saudação à Igreja e introduz sua primeira exposição sobre os monges. Não usa a palavra monachi, para que não seja confundida com manichaei, mas, como Basílio, fala simplesmente de cristãos. Para o recém-convertido esses homens e essas mulheres tão singulares no seu modo de vida são os filhos e as filhas da Igreja, da qual ele canta os louvores.
Agostinho interpreta o anacoretismo como uma aspiração apaixonada de contemplar a Deus, na linha do “só junto do Só” de Plotino. Este ideal da contemplatio reaparece no parágrafo seguinte quando apresenta a superioridade dos anacorertas católicos em comparação aos maniqueus.
Depois de ter comentado rapidamente a vida sublime dos anacoretas, Agostinho se volta para aqueles que levam vida em comum.
Alguns traços da vida cinobítica, Agostinho toma da Epístola à virgem Eustoquium de São Jerônimo, mas o conjunto da descrição revela uma visão própria e pessoal. Ele não usa nem o termo monges, nem a palavra grega coenobium, equivalente ao copta sauhes. Seduzido pela vida em comum , Agostinho transforma a definição concisa de Jerônimo (in commune viventes, Ep.22,34) numa ampla paráfrase, onde passa a imaginar a vida comunitária ideal. Neste resumo inicial da vida comunitária, Agostinho lhe concede um ar de fina espiritualidade (viventes in orationibus, in lectionibus, in disputationibus) tão importante quanto a concórdia fraterna (concordissimam vitam), evocada em seguida. Perfeitamente unidos entre si, estes “cristãos” exemplares vivem também inteiramente voltados para Deus (intentissimam vitam in Deum).
Este duplo aspecto da vida em comum, que corresponde aos dois mandamentos do amor, será retomado no início da Regra agostiniana, onde os irmãos são convidados desde o início a ter uma só alma e um só coração voltados para Deus (Praec. 1,2). No Praeceptum como no De moribus, logo em seguida vem a interdição de nada possuir de próprio (Praec. 1,3). Este paralelismo perfeito do início da Regra com a descrição com a descrição dos cenobitas orientais põe em evidência a importância dessa última para a gênese do monaquismo agostiniano. Foi, pois, em Roma, no ano de 388, que Agostinho concebeu o princípio fundamental de sua legislação que só consignará por escrito dez anos mais tarde.
A expressão uma só alma e um só coração do início do Praeceptum o que Agostinho entende por concordissimam vitam no De moribus. Essa expressão manifesta a dependência do texto de Atos 4,32. O ideal da vida em comum para Agostinho tem seu modelo na Igreja de Jerusalém, depois de Pentecostes, onde a união dos corações se manifestam pela posse comum dos bens. A posse comum dos bens, símbolo da concórdia, é o primeiro princípio da comunidade agostiniana, tal qual vem esboçada na descrição dos monges orientais.
Aliando o desprendimento dos fiéis de Jerusalém à generosidade do Apóstolo (1Ts 2,9), os monges do Oriente não perdem de vista a importância do trabalho para a boa orientação de sua vida religiosa. Ninguém ali é oneroso a outrem. Trabalham com suas mãos para ter aquilo que pode alimentar-lhes o corpo (De Mor.). O seu ganha-pão, é escolhido de tal modo que o espírito não possa ser desviado de Deus.  Agostinho liga o cenóbio oriental a dois modelos tirados das Escrituras: a Igreja primitiva de Jerusalém e o exemplo do Apóstolo Paulo.
O mesmo contraste com meio que os circunda marca a existência das comunidades urbanas cujo modo de vida Agostinho também  exalta no De mor. Ecc.
É interessante notar que neste primeiro encontro com o monaquismo, Agostinho ficou vivamente impressionante com as qualidades daquele ou dirige o mosteiro. Em Milão, esse chefe de grande autoridade é um sacerdote. É primeira vez que nos textos latinos aparece um superior que é também sacerdote. Esse título eclesiástico de superior aparece juntamente com a ausência do trabalho manual no mosteiro milanês. Provavelmente os monges milaneses, como seu superior, viviam dos dons da Igreja. Agostinho no momento de sua conversão fala desses monges alimentados por Ambrósio.
Como os monges de S. Martinho, em Tours, os de Milão são “nutridos e vestidos pela Igreja” (Sulp. Sev., Dial. III, 14) e por isso são dispensados do trabalho manual. Um outro traço desses monges é que são numerosos: o mosteiro estava cheio de bons irmãos.
Em Roma os mosteiros são vários (diversoria plura), embora com número menor de monges. Dois traços caracterizam os irmãos de Roma: o trabalho manual e os jejuns. O trabalho manual é uma imitação dos monges orientais. Agostinho acrescenta ainda o modelo do apóstolo Paulo. Os incríveis jejuns são opções pessoais, embora aqueles que assim jejuam pertençam às comunidades. Fazer parte delas não impede que cada um pratique uma ascese pessoal à medida das próprias forças e necessidades. Essa liberdade de jejuar ultrapassa ao que era permitido aos cenobitas egípcios, descritos por Jerônimo na sua epístola a Eustoquium. Os monges romanos são, portanto, mais austeros que os orientais no que se refere ao jejum. Aproximam-se do fervor ascético de Santo Antão.
Quanto ao monaquismo feminino de Roma, além do trabalho manual à maneira das orientais, Augustinho acrescenta os jejuns rigorosos e o valor singular de suas superioras. Além disso esses mosteiros femininos não eram tão dependentes dos mosteiros de homens, como acontecia no Oriente.
O elogio da caridade (De mor. Eccl, I, 71-73). Essas particularidades são de pouca importância diante da grande lição que Agostinho tira desses mosteiros romanos. A longa conclusão sobre a vida cenobítica é uma dissertação sobre a verdadeira ascese, onde tudo se refere à caridade. Contra a absurda pretensão dos maniqueus que classificam certos alimentos como impuros, Agostinho propõe a abstinência de carne e vinho como exercício do domínio de si (contemplação = vida voltada para Deus) e a concórdia (o amor fraterno).
As comunidades romanas são um modelo de compreensão e de discrição em matéria alimentar. Não se trata mais de uma observância comum seguida por todos indistintamente, como entre os orientais, mas respeita-se as diferenças individuais. A primeira manifestação desse discernimento é deixar a cada um adotar ou não esta ou aquela renúncia.
Das duas motivações iniciais da abstinência (domar a concupiscência e conservar o amor fraterno) persiste somente a segunda. A fragilidade dos irmãos faz com que a caridade tome o primeiro lugar. A raiz propriamente ascética da abstinência desaparece. Restam apenas dois motivos manifestos: o amor fraterno e a liberdade de se unir a Deus, a caridade sob as suas duas formas. Agostinho termina o seu retrato dos cenobitas exaltando o duplo amor a Deus e ao próximo.
Sob uma forma nova Agostinho reafirma seu ideal cenobítico proclamado no inicio de seu quadro sobre os monges orientais. Ele se inspirava então nos Atos dos Apóstolos. Agora faz referência às cartas apostólicas e às palavras de Cristo no Evangelho. Tanto no Oriente como no Ocidente, o mesmo sopro de amor invade a Igreja Católica. A vita concordissima, evocada logo no início, tendo como modelo a Igreja de Jerusalém, recebe dele no final de sua obra um nome apostólico e divino: caritas
3. De opere monachorum (Hipona – 401). No Ocidente o monaquismo não era ainda tão bem recebido quanto no Oriente. A vida ascética, sobretudo em Roma, não despertava ainda muita simpatia. Para os cristãos romanos, a perfeição cristã era um dever de todos e não simplesmente de alguns ascetas.
Também em Cartago, a opinião pública não era particularmente favorável aos homens vestidos de preto. Quando o bispo Aurélio quis impor as mãos a alguns deles e conceder-lhes o acesso às ordens sacras, o clero diocesano fez forte objeção e o imperador Honório teve que publicar uma lei, segundo a qual a ordenação dos monges era perfeitamente aceitável em caso de necessidade. O papa Inocêncio Iº (402-417), porém, junto de quem protestaram os diocesanos, assumiu uma posição contrária à africana, e, assim, em Roma os monges não foram admitidos às ordens.
Agostinho não desejava que em matéria de ordenação os monges fossem causa de desordem. Na Ep. 60,1, critica o bispo Aurélio que, de boa fé, tinha recebido em sua diocese dois monges fugitivos do mosteiro de Agostinho.
Mas quanto a esses monges, creio que Vossa Beatitude julgou tenham saído do mosteiro com a minha aprovação, para que fossem mais úteis aos seus conterrâneos. Isso é falso. Eles saíram por vontade própria, nos abandonaram por vontade própria, apesar dos esforços que fizemos para retê-los, em vista de sua salvação. Quanto a Donato, já que foi ordenado antes que estabelecêssemos no Concílio uma orientação sobre tais casos, faça a sua prudência o que quiser, se é que ele se corrigiu da perversidade da soberba.
Agostinho faz referência ao Concílio de Cartago que, no dia 13 de setembro de 401, proibiu aos bispos, sob pena de excomunhão, aceitar no próprio clero ou nomear superiores dos mosteiros, monges fugitivos ou em desacordo com o próprio superior.
Agostinho tinha os olhos bem abertos sobre os pontos fracos da vida monástica, e não economizara palavras sobre o argumento. Tinha pelos monges giróvagos uma aversão semelhante a que mais tarde terá S. Bento. Enquanto viveram no deserto ou em mosteiros bem estruturados, sendo suficientes a si mesmos, os monges constituíram um motivo de edificação para todo o povo. Mas, depois de alguns anos, passaram a fazer seus ninhos nos subúrbios das cidades do Oriente e caíam como gafanhotos sobre tudo o que apreciavam: templos, concílios ou bispos pouco ortodoxos. Passavam a maior parte de sua vida em peregrinações, em visitas mútuas ou em mendigar em toda parte. Agostinho sabia bem que os náufragos mais desagradáveis apareciam justamente nos mosteiros.
O livro se endereça a certos monges leigos que argumentavam já ter trabalhado o suficiente  pelo simples fato de viver na continência, e para apoiar sua opinião citavam o Evangelho: “olhai as aves do céu, não semeiam..., olhai os lírios do campo, não fiam nem tecem, etc.” (Mt 6,25-34). Em Cartago, havia monges que não somente defendiam esse modo de pensar, mas o colocavam em prática e o difundiam. Menos de um século depois da morte de Paulo e de Antão, encontravam-se tais ascetas. Agostinho conta:
Sabemos que estão congregados, em alguma sociedade pia, vivendo em total ociosidade.
O libreto de Agostinho é uma denúncia contra gente de tal tipo que, segundo ele, deveria desaparecer. Os monges não podem passar o tempo sem nada fazer, mas consagrá-lo aos exercícios ascéticos e às obras de beneficência. Não lhes é permitido aceitar esmolas, a não ser os enfermos e os que trabalham no ministério pastoral. Como apoio desse princípio, cita o exemplo do apóstolo Paulo que trabalhava com as próprias mãos na confecção de tendas. Aos que objetavam maldosamente que não sabiam o que faria o apóstolo nos tempos de hoje, Agostinho responde:
Só sei uma coisa: ele não roubara, não era assaltante, nem ladrão, nem era condutor de carro ou caçador, nem comediante ou usuário. Mas trabalhava numa atividade inocente e honesta, concernente aos objetos de uso diário. Como são os ofícios dos carpinteiros, dos pedreiros, dos sapateiros, dos camponeses e outros semelhantes. Pois a honestidade não reprova o que é reprovado pela soberba daqueles que gostam de passar por honestos, mas não gostam de ser honestos (Neque honestas ipsa reprehendit, quod reprehendit superbia eorum qui honesti vocari amant, sed esse non amant). O apóstolo não desdenharia exercer qualquer trabalho no campo, ou aplicar-se a uma atividade artesanal. (De op. mon. 14).
Alguns diziam que, pela sua profissão, os monges tinham renunciado ao trabalho. Mas, Agostinho respondia que, sendo assim, deveriam renunciar também a comer.
Gostaria ou de saber o que fazem aqueles que não querem trabalhar. De que se ocupam eles? Das orações – dizem – dos salmos, da leitura e da pregação da palavra de Deus. Santas são estas ocupações, e louváveis na suavidade do Cristo. Mas, se não tivéssemos de interrompê-las, não poderíamos também comer, nem preparar cada dia o alimento, para pólo à mesa e comer. Cantar hinos sagrados, mesmo os que trabalham com suas mãos podem fazê-lo sem dificuldade, suavizando o próprio trabalho com uma canção divina. Que é, pois, que impede o servo de Deus de meditar a Palavra de Deus, enquanto trabalha com suas mãos, e de salmodiar ao nome do Deus Altíssimo, contanto que tenha tempo à parte para aprender o que vai cantar de memória? (De op. mon. 17,20).
Há ainda aqueles que entram para o mosteiro com o único objetivo de levar uma vida confortável. Agrada-lhes ver pessoas finas dedicando-se a trabalhos pesados e ser tratados em pé de igualdade por aqueles que no mundo nem sequer um olhar lhes dirigiriam.
Agostinho denuncia também as inovações de certos pretensiosos. Os monges daquela época normalmente cortavam o cabelo, alguns, porém, passaram a usar longas cabeleiras. Agostinho lembra a doutrina apostólica que é próprio das mulheres velar a cabeça com longas cabeleiras, o que seria indigno para os homens (1Cor 11,14). Os monges encontraram, porém, um argumento ridículo para defender seus longos cabelos.
No final de seu livreto, Agostinho volta a insistir que os monges ociosos não seguem a verdadeira doutrina apostólica e portanto, não devem ser apoiados por leigos generosos.
4. Comentário ao Sl 132. Um dos textos mais conhecidos de Agostinho sobre a vida monástica é a sua ennaratio (comentário) ao salmo 132.

1. O 1º versículo do Sl.

Esse 1º vs, segundo Agostinho, não se aplica a todos os cristãos, mas somente a alguns.
Entretanto, para que nos desça deste versículo a inteligência de todo o tecido do salmo, temos de considerar, antes de mais nada, se é de todos os cristãos que foi dito: “Como é bom e agradável morarem os irmãos em comum”; ou se são outros determinados e perfeitos que moram em comum, de tal forma que esta benção não se aplica a todos, mas só a alguns, dos quais, ela desce a todos.

2. Esse vs deu origem aos mosteiros:

Estas palavras do saltério, este doce canto, esta suave melodia, tanto no cântico como na inteligência, gerou também os mosteiros (etiam monasteria peperit). A esse som se animaram os irmãos que muito desejavam habitar juntos. Este versículo foi a trombeta que os despertou... Mas, se bem consideramos, diletíssimos, foi daquela parede da circuncisão, que nasceu primeiro esta benção... Todos eram dali. E foram os primeiros a habitar em comum os que venderam tudo que tinham, e puseram aos pés dos apóstolos... E que significa “em comum”? “Tinham uma só alma e um só coração para Deus”. Foram, pois, esses os primeiros que ouviram: “Vêde como é bom e agradável morarem os irmãos em comum”.

3. A vida ascética entre os hereges:

Agostinho neste parágrafo trata dos ascetas heréticos, conhecidos como circelliones.

Que significa o nome de circelliones?... É bem possível que os chamemos segundo um nome modificado. Diremos a vós o seu nome inteiro? Talvez se chamem “circumcelliones” e não circelliones. Se é assim que se chamam, expliquem o que são:
Pois são chamados “circumcelliones”, porque vagueiam em volta das celas. Costumam ir cá e lá, jamais tendo pousada certa. E fazem o que sabeis, e que eles também sabem muito bem, quer queiram que não.

4. Falsos e verdadeiros monges (Lc 17,34-35)

De inicio Agostinho chama a atenção para a existência de falsos e verdadeiros monges. Em seguida apresenta uma interpretação alegórica de Lc 17,34-35 e esclarece que, entre
os três tipos de pessoas existentes na Igreja, haverá sempre bons e maus.
Dessas três espécies é que foi dito: “Dois estão no campo, um levado, um é deixado. E
dois no leito; um é levado, um é deixado. E duas no moinho; uma é levada, uma é deixada” (Lc 17,34-35). No campo são os que governam a igreja...

5. Há três tipos de pessoas (Ez 14,15-16)

Agostinho interpreta o texto de Ez 14 aplicando aos três tipos de pessoas que se encontram na Igreja

“Quando o Senhor mandar a espada à terra, ainda que estejam no meio deles Noé, Daniel e Jó, não salvarão seus filhos nem suas filhas. Só eles mesmos serão salvos” (Ez 14,15-16)... Nesses três nomes algumas coisas são significantes. Noé significa os chefes da Igreja, porque ele governou a arca durante o dilúvio.

6. Dos monges heréticos.

Agostinho volta a tratar primeiramente dos monges heréticos e de como são chamados.

Digam como os chamam, prestai ouvidos. Eles os chamam de “agonísticos” (=atletas) (Agonisticos eos vocant). Confessamos que é um nome digno, se a realidade correspondesse. Por ora, veja isto, vossa santidade: Aos que nos dizem: Mostrai onde está escrito o nome de monges, respondemos: Mostrai onde está escrito o nome de “agonísticos”.
Em seguida Agostinho mostra qual a razão porque os monges católicos são chamados de “monges”.

7. A barba de Aarão = o homem forte

Agostinho passa a interpretar o segundo vs do Salmo.

“Como o ungüento sobre a cabeça, que desce para a barba, a barba de Aarão...” Em sua cabeça, o ungüento, porque Cristo é um todo com a Igreja, mas da cabeça vem a unção. Nossa cabeça é Cristo; crucificada e sepulta, ela ressuscitou e subiu ao céu.
Assim, aquele primeiro ungüento desceu sobre os Apóstolos, desceu naqueles que por primeiro agüentaram o ataque do século. Desceu neles o Espírito Santo. Pois eles que primeiro começaram a habitar em comum, sofreram perseguição.

8. O diácono Estevão, o homem forte

Agostinho argumenta com o exemplo do protomártir .

Daquela barba era santo Estevão... Pensaram que tinham vencido, os que perseguiam os santos. Eles feriram, estes eram feridos. Aqueles matavam, estes eram mortos. Quem não haveria de julgar que os primeiros venceram e os segundos foram vencidos?Mas, como não foi vencida a caridade, o ungüento desceu sobre a barba...
(Sed quia non victa est caritas, ideo unguentum descendit in barbam)
     Quando é que devia irar-se Estevão? Quando era apedrejado, ou quando os fazia ouvir suas palavras? Mostrou-se manso quando apedrejado, e violento quando se fazia ouvir...Ele ouvira da própria cabeça pendende da cruz e dizendo: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Foi pois, deste modo que a unção desceu da cabeça para a barba. Pois, também ele, quando apedrejado, ajoelhou-se e disse: “Senhor, não lhes leve em conta este pecado” (At 7,59).

     9. A túnica de Aarão e a orla da túnica

     Agostinho explica que a túnica de Aarão é o símbolo da Igreja e a orla, isto é, a abertura por onde entra a cabeça na veste são os que vivem em comum.
     Muitos foram fortes e sofreram muitas perseguições. Mas se da barba não descesse a unção, não teríamos agora os mosteiro. Mas porque desceu até a orla da veste, como está escrito: “Desceu até a orla de sua veste”, seguiu-se a Igreja, e da veste do Senhor gerou os mosteiros. A veste sacerdotal significa a Igreja...E o que é, pois, a orla da veste? A orla é o fim do vestimento...Como, irmãos, entendemos a orla pela qual pôde descer a unção?...

      10. O orvalho de que fala o Salmo

     v. 3: “Assim como o orvalho do Hermon que desce sobre os montes de Sião”. Para Agostinho, o orvalho que desce sobre o monte Sião é a própria graça de Deus. Sem o dom do alto é impossível viver em comum.
Agostinho comenta, em seguida um vs do Sl 67,10 na versão latina: “Derramaste, ó Deus, uma chuva voluntária sobre a vossa herança”. Mostra  que também nesse salmo a chuva é imagem da graça divina.

      11. O monte Hermon

     Agostinho explica o sentido da palavra “Hermon”. Basendo-se no conhecimento da outros, diz que a palavra “Hermon” significaria “luz exaltada” e a aplica a Cristo, aquele que foi exaltado na cruz e depois no céu.  De fato, pela sua etimologia a palavra “Hermon” (em hebr.= hermôn) provém da raiz “hâram”, isto é consagra, dedicar. “Hermon” significa, portanto, lugar consagrado, santuário.

      12. Os montes de Sião

     Para Agostinho Sião é a Igreja e os “montes de Sião” são aqueles que atingiram a perfeição da caridade de Cristo.
     Que é Sião? A Igreja. E quais são os montes nela? Os grandes. Os mesmos que são significados por montes, são igualmente significados por barba, e também por orla da veste.

      13. É ali que Deus concede sua benção

     Para Agostinho a benção do  Salmo se refere aos que habitam em comum e vivem em concórdia.
     “Porque lá mandou o Senhor a sua benção”. Onde mandou? Nos irmãos que moram em comum. Ali mandou ele a benção, ali bendizem o Senhor os que habitam em concórdia. Muitos há que amam esta vida e maldizem os seus inimigos. Com que fim? Só pode ser por esta vida, pelas vantagens seculares. Onde foi que o teu inimigo te angustiou, para que te sintas forçado a maldizer? Foi na terra que te afligiram?

III-Conclusão

 A Regra de Agostinho, assim como seus outros textos sobre a vida monástica, apresentam uma ênfase bastante diferente das outras formas de monaquismo. Não há, porém, incompatibilidade entre a forma agostiniana e as outras.
Acima de tudo Agostinho deseja fundar uma comunidade unida no amor e orientada para a contemplação. Seu ideal básico era a comunidade apostólica de Jerusalém. Para Agostinho a comunhão no amor é a condição fundamental para a união com Deus. Daí derivam algumas consequências: pobreza, castidade, obediência. Estão a serviço da caridade. Tudo isso nos liberta do egoísmo e nos torna aptos para o serviço de Deus e dos irmãos.
Trata-se de uma comunidade que se espelha na Igreja. Agostinho, bispo, vê no mosteiro a mesma imagem da Igreja: uma comunidade reunida em torno de Jesus Cristo e unida no amor.
Com Agostinho termina a “idade do ouro” do monaquismo oriental e africano.

Adilson Luis Pereira de Oliveira








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